sexta-feira, 7 de maio de 2010

sonhando ferrugem


me fiz inventando histórias e criei lições de moral nelas. contei pra todo mundo. desenhei. pra mim toda história tem sua serventia e não podia me deixar passar em branco. experimentei usá-las pra me deixar cada vez mais interessante. eu era enigma de mim mesma e emblema aos alheios. um conto de verão a quem chegasse.
curioso, antes me observava mais no espelho e podia reconhecer ali a verdade inconfessável dos meus dias - o tempo passava há anos e sua ausência me conservava intacta; besteira era percebê-lo.
em meu espelho a impressão do meu rosto mesmo antes de meu avançar. antigamente costumava ficar horas me contemplando. agora ele já acusa a passagem dos anos e tudo parece tão findo e exatamente claro, como 2 e 2 são 4, que pouco importava a tentativa de me olhar em outro, era lá que eu estaria: velha e mascarada. o tempo é justo por sua própria natureza.
se eu olhasse bem firme perceberia o desmonte muscular, o desmonte psíquico, o desmonte existencial de meu olhar sobre mim. tornei-me um estranho fenômeno da resistência. tornei-me um fato, um dado, uma esperança. em alguns anos teria a chance de contar histórias sobre o que fazer com o que resta de mim, achando graça de me resolver tranquila quanto ao meu destino - daqui pra frente muito certo é claro.
me despi num disperso olhar sobre o espelho, agora sujo e borrado pelo bafo de cansativos apelos ao retorno dos anos dourados, agora derradeiros.
a vida não passa de um eterno adeus na frente do espelho.

*ilustração de maria valentina

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