domingo, 13 de junho de 2010

Cinema primitivo brasileiro

Berço Esplêndido é o culto das belezas naturais do país, notadamente da paisagem da Capital Federal; mecanismo psicológico coletivo que funcionou durante tanto tempo como irrisória compensação para o nosso atraso.


Ritual do Poder se cristaliza naturalmente em torno do Presidente da República [...], são todos filmados presidindo, visitando, recebendo, inaugurando e, eventualmente, sendo enterrados.


Fita posada O cinema de enredo dessa época [1907] – a fita posada como então se dizia – freqüentemente emanava da vida da cidade de uma forma quase tão direta quanto o documental. Esses filmes são também, a sua maneira, registros sócio-culturais, porém elaborados, estilizados [...].


Cinegrafistas-viajantes [...] a medida em que a produção se adentra no Brasil, através de cinegrafistas-viajantes, do Rio e de São Paulo, ou de surtos de filmagem em muitos outros pontos do país, ocorre um fenômeno importante. O Berço Esplêndido tende a se dissipar e o enfoque principal se orienta em torno do homem que habita o Brasil.


Contra os documentais A principal publicação especializada da época, Cinearte, era em geral contra os documentais – achando que todos os recursos deviam ser canalizados para o cinema de enredo, [...] se preocupava também com a imagem do Brasil que esses filmes poderiam transmitir caso fossem projetados no exterior.


~~~


Logo após seu desembarque em terras brasileiras (1896), primordialmente como produto de exibição, as imagens em movimento começam a ser registradas (produzidas), precisamente em 1898 quando voltando de uma viagem à Paris um dos irmãos Segreto resolve apontar o visor da câmera para a Baía de Guanabara e fixar as primeiras notícias em nitrato de prata de que se tem conhecimento em território brasileiro. A partir desse momento começa a aventura do Cinema Nacional.


O cinema primitivo brasileiro estende-se de 1896 a 1912, é um período no qual verifica-se uma produção de fitas documentais em diversos locais do território nacional: Amazônia, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, ou seja, a pesar das primeiras imagens serem produzidas no Rio de Janeiro e sendo ela a Capital Federal, o cinema se expande por uma parte significativa do país. Os primeiros filmes são registros da vida cotidiana, imagens de lugares, paisagens e pessoas, "registros isolados da realidade", logo vão despontando filmes que representavam reconstituições de crimes famosos (Os Estranguladores, de Antônio Leal, pioneiro do filme ficcional realizado no Brasil), principalmente a partir de 1907, quando da chegada da produção industrial de eletricidade.


Após este primeiro período, a cinematografia se apresenta predominantemente através de uma concentração na produção de documentários e jornais cinematográficos. Predominante nesses primeiros registros documentais é a presença das belezas naturais do país, que Paulo Emílio Sales Gomes dá o nome de Berço Esplêndido. A paisagem do Rio de Janeiro, então capital federal, aparece exaustivamente nessas fitas como síntese da imponente natureza do país.


Uma segunda característica desse período são os filmes documentais que têm como personagem central os homens ligados ao poder. Paulo Emílio vai chamar essa abordagem de Ritual do Poder. A figura do presidente da república transita à vontade nessas fitas, "sãos todos filmados presidindo, visitando, recebendo, inaugurando e, eventualmente, sendo enterrados" ( p.325). Ainda no Rio, o popular entra em cena através dos festejos que eram registrados pelo cinematógrafo". Os oradores populares eram apanhados gesticulando nos meetings tradicionais do largo São Francisco. Nessa altura de nossa evocação os rituais documentados pelo cinema não são mais o do poder e possuem uma natureza mais popular"(p.325). Com a entrada no ciclo de produção industrial de eletricidade em 1907 as filmagens tomam fôlego particular. Além da fita documental que registrava a cidade(Rio), seu carnaval, o lazer, os esportes, as aberrações, a modernização com a chegada dos automóveis, existia as fitas posadas que partindo do cotidiano da cidade – logo,muito próxima ao documental - propunha uma reconstituição desse cotidiano,com a encenação de crimes famosos que incitava a curiosidade do espectador." Esses filmes são também, a sua maneira, registros sócio-culturais, porém elaborados, estilizados[...]" ( p.326).


A partir da segunda década do século XX a produção começa a explorar outras faces do país. Cinematografistas-viajantes munidos de câmeras adentram no Brasil, são registrados também surtos regionais provocando o florescimento de cinematografias em diferentes pontos do território nacional. O personagem central dessa fitas será o "homem que habita o Brasil". Nesse momento a crítica cinematográfica, em exercício praticamente desde 1896, entra no debate e reage de forma negativa a esse cinema. A principal preocupação dos críticos era em relação a imagem do Brasil no exterior. Reivindicando um maior controle do que era registrado esses críticos defendiam a canalização dos recursos para o cinema de enredo. A repulsa contra os documentais pode ser verificada numa opinião de um crítico da Cinearte, principal publicação especializada da época: "quando deixaremos desta mania de mostrar índios, caboclos, negros, bichos e outras aves raras desta infeliz terra, aos olhos do espectador cinematográfico? Vamos que por um acaso um destes filmes vá parar no estrangeiro?" (p.328). Mas, opiniões outras tentam situar o documentário como um importante revelador das mazelas do interior do país,alguns como Oliveira Viana se perguntam o que pode ser feito diante dessa realidade de atraso do interior.Opiniões a parte,a conclusão que se chega é a de que desde muito cedo já existiam discussões em torno da temática,do que seria válido registrar,do que seria válido falar.


A idéia de que os filmes documentais têm uma relação de intimidade com a realidade, seu caráter indicial de registro fiel, colocou este em patamar de registro histórico-social. Porém, a maior parte dos registros cinematográficos do documentário mudo não perpetuou, não só pelo fato das películas serem altamente inflamáveis, mas também pela falta de conservação e, consequentemente, da memória de um tempo.


Resenha de: GOMES, Paulo Emílio Salles, A Expressão social dos filmes documentais no cinema mudo brasileiro.

Nenhum comentário: