domingo, 15 de abril de 2007

Cinema Baiano: itinerário em Ciclos

Brasil, 1896, chega a novidade do século XIX, o cinematógrafo. Primordialmente como produto de exibição, as imagens em movimento começam a ser registradas (produzidas) aqui em 1898 quando, voltando de uma viagem à Paris, um dos irmãos Segreto resolve apontar o visor da câmera para a Baía de Guanabara e fixar as primeiras notícias em nitrato de prata de que se tem conhecimento em território brasileiro. A partir desse momento, começa a aventura do Cinema Nacional. Logo a novidade se espalha.

Bahia: apesar das primeiras imagens do cinematógrafo serem produzidas no Rio de Janeiro, então Capital Federal, o cinema expande-se por uma parte significativa do país. A Bahia assiste ao despontar da novidade em 1897, trazido por Dionísio Costa, após uma viajem feita à França, apenas um ano depois de sua chegada no Rio de Janeiro e distante dois anos da sessão pioneira dos irmãos Lumière em Paris. Estamos tão longe assim de um mundo globalizado?

O cinema aqui em Salvador ganha uma grande repercussão sobre os hábitos da cidade. A novidade ganha o gosto da população local e vai surtir “impacto” na vida provinciana de uma Bahia apegada às tradições. Concentradas no centro da cidade (rua Chile, Praça Castro Alves, Baixa dos Sapateiros etc), as salas de cinema vão ser o cenário mais badalado da ex-Capital federal. A província estava em vias de modernização. O cinema será incluindo como uma das práticas de lazer do lugar e as fitas vão ser instrumento muito utilizado como parte de uma reforma social: o embranquecimento da população urbana, com a transformação das práticas tradicionais de lazer africanizadas por outras consideradas civilizadas. Porém, muito menos como produto dos próprios realizadores locais e muito mais como produto de exibição vindo de fora, o cinema inicialmente sobrevive através de circos, feiras de exposições, residências, parques de diversões até a abertura de salas próprias para sua exibição, ele era um dos tipos de lazer popular do período.

É somente em 1910 que se verão as primeiras imagens realizadas por baianos. Diomedes Gramacho e José Dias da Costa, pioneiros das imagens em movimento aqui na Bahia apresentam duas obras cinematográficas, Segunda-Feira do Bonfim e Regatas da Bahia, filmes de curta duração no estilo das atualidades (filmes de registro do cotidiano e de determinados aspectos locais de uma cidade ou região). A dupla Gramacho-Costa torna-se o mais conhecido núcleo de produção em Salvador. Ainda na década de 1920, nasce a primeira revista de cinema da Bahia, Artes & Artistas, editada entre 1920 e 1922, por Arthur Arezio da Fonseca. A revista chega ao público semanalmente e é toda dedicada ao cinema, segundo Walter da Silveira, a primeira do Brasil. “Seus editores Fonseca & Filhos, num rasgo de perseverança provinciana, levaram a sua publicação até 1922, quando saiu o último número, o 72 da coleção. Quem leia hoje Artes e artistas, sobretudo sabendo que somente na mesma fase se organizavam e definiam na Europa, a crítica cinematográfica e as revistas sobre filmes, não pode deixar de reconhecer que, malgrado muitas ingenuidades, se encontram nas suas páginas uma enorme fonte de revelações sobre o que representava, na ocasião, o cinema como fenômeno estético e econômico” (SETARO, 1976).

Nos anos 30 surge o documentarista Alexandre Robatto Filho, principal nome do cinema baiano até a década de 1950. Robatto produziu filmes de extrema importância para o inventário cinematográfico do Estado. Começam suas realizações ainda no final da década de 1930, produzindo uma série de fitas que se prestavam a focalizar aspectos importantes da paisagem e dos costumes da cidade de Salvador, filmes que flagravam as tradições e festas populares, o folclore e a arte da terra. Boa parte desses filmes, realizados na década de 1940, possui considerável valor histórico: Quatro séculos em desfile, registro do aniversário da Cidade de Salvador; Entre o mar e o tendal, realizado ente 1951/52, curta-metragem documental (19 minutos), sobre a pesca do xaréu, de grande relevo para o cinema baiano, ele conta a história de como as armações de baleias viraram redes de xaréu. Desta fita, foi feita uma remontagem mais estilizante pelo próprio Robatto, reduzida para 10 minutos, nasceu então, Xaréu. Muitos outros filmes de total importância documentária, histórica e pioneira, foram realizados por Robatto, este cineasta explorador, que tinha como grande interesse fotografar em movimento, registrar. Os filmes de Robatto podem ser considerados um dos parâmetros para a atitude do cinema baiano frente aos temas que deveriam ser tratados: um caminho que valorizasse as imagens do popular, da cultura particular do lugar, uma relação intima com o imaginário do local de onde emergia.

A partir da segunda metade dos anos 1950 surge uma nova geração de realizadores que passa a produzir em território baiano, entre outros, Luiz Paulino dos Santos, Glauber Rocha e Roberto Pires. O primeiro dirige, em 1959, o curta-metragem Um Dia na Rampa, sobre um dia de movimentação na rampa dos saveiros em frente ao Mercado Modelo em Salvador e sua paisagem social. Roberto Pires assina o primeiro longa-metragem baiano no mesmo ano, Redenção, filme responsável por consolidar o grupo de cineastas e produtores quem culminaria o Ciclo Baiano de Cinema, um dos pontos de partida, segundo alguns estudiosos, para a posterior formulação do Cinema Novo brasileiro. Glauber Rocha, cineasta fundamental para a compreensão do cinema nacional e talvez o diretor brasileiro de maior reconhecimento internacional, lança em 1961, seu primeiro longa-metragem, Barravento, que mergulha nas tradições locais, pondo em foco a pesca artesanal e os rituais religiosos afro-baianos com o pano de fundo dos exuberantes cenários naturais do litoral da região metropolitana de Salvador. Ao lado de O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte, Barravento projetou a Bahia na esfera do cinema internacional do início da década de 1960 ao conquistar prêmios em festivais europeus.

A produção intensifica-se na primeira metade da década de 1960 com A Grande Feira e Tocaia no Asfalto, ambos de Roberto Pires, além de outros títulos importantes realizados por não-baianos, dentre outros, Bahia de Todos os Santos (1960), de Trigueirinho Neto, e Mandacaru Vermelho (1961), de Nelson Pereira dos Santos. O Ciclo Baiano de Cinema, que pretendia transformar Salvador em verdadeiro centro produtor de filmes, foi um aglutinador de figuras em torno da produção cinematográfica na Bahia e contou com a participação não apenas dos realizadores daqui, mas de outros lugares do país e até estrangeiros, que viam nestas plagas a possibilidade de criação um cinema autêntico, vinculado à história social de seu povo - principal fonte para o cinema que desponta após a Segunda Guerra Mundial nos paises abalados e subdesenvolvidos. A Bahia ficou conhecida como a meca do cinema brasileiro, tamanha a atividade de produção aqui verificada. Porém, esse movimento não tem sustentação e o permanente estado sazonal da cinematografia brasileira faz-se presente. A agitação, que tem como principal agente fomentador das produções o empresário Rex Schindler, não agüentou o insucesso financeiro, a dificuldade de distribuição e as barreiras encontradas para que as fitas fossem exibidas no mercado nacional. Segundo Schindler, “o que determinou a interrupção da produção de filmes foi a falta de experiência no que diz respeito à distribuição para a volta de dinheiro investido em tempo útil a fim de ser reinvestido em novas produções” (SETARO, 1976). O cinema local de repente parou.

Após um período de retrocesso, há uma retomada no processo de produção a partir de 1967, com a realização de alguns curtas. O curso rápido de cinema da Escola de Sociologia e Política, idealizada por Carlos Athayde e situada à Ladeira da Barra, dá origem ao GIC - Grupo de Iniciação ao Cinema, agrupamento de jovens apreciadores da sétima arte, que se reuniam para o debate em torno da possibilidade de se retomar a feitura de cinema em Salvador. Surge então, Perâmbulo, direção de José Umberto. Logo depois, a eclosão do Ciclo Marginal, em 1969, com Meteorango Kid, o Herói Intergaláctico, de André Luiz Oliveira. O chamado Cinema Marginal, do fim dos anos 60, buscava inspiração na antropofagia de Oswald de Andrade. Tratava-se de absorver a influência estrangeira e responder criativamente. O ciclo segue com Caveira, My Friend, de Álvaro Guimarães, Akpalô, de José Frazão e Deolindo Checcucci, além do inédito e desaparecido A Construção da Morte, de Orlando Senna, até ser substituído pelo curtametragismo da década de 1970 com os filmes na bitola Super-8. Ao longo da década, o Super-8 gerou mais de 200 curta-metragens, sendo que muitos destes circularam nas Jornadas de Cinema organizadas por Guido Araújo a partir de 1973. As Jornadas foram uma vitrine para a produção do filme curto local. A tentativa é fomentar a produção baiana e dar a possibilidade ao público ver as produções. Como ponto de encontro dos realizadores, foi importante não apenas como palco para a exibição dos filmes, mas um fórum para a discussão em torno do filme de curta-metragem e é grande acolhedor dos realizadores na bitola Super-8. Edgard Navarro (Rei do Cagaço, 1977), Pola Ribeiro (A Conversa, 1975) e José Araripe Jr. estão entre os realizadores que se iniciam na prática audiovisual por meio do Super-8. A pequena bitola divide a cena com obras de destaque realizadas em 16mm e 35mm, a exemplo dos curtas O Boca do Inferno, de Agnaldo Siri Azevedo e Comunidade do Maciel, de Tuna Espinheira e do longa-metragem O Anjo Negro, de José Umberto Dias.

Na década seguinte, a produção cai drasticamente, contabilizando-se poucos títulos, entre os quais o curta-metragem Porta de Fogo (84), de Edgard Navarro sobre o guerrilheiro Lamarca. Os filmes de média-metragem de Navarro, Superoutro (1989) e Pola Ribeiro, A Lenda do Pai Inácio (1987), além do longa O Mágico e o Delegado, de Fernando Coni Campos.

Nos anos 90, tomou posse na presidência da República, Fernando Collor de Mello, que extinguiu a Embrafilme e outros mecanismos de incentivo, mergulhando o cinema brasileiro em sua maior crise histórica. Quatro anos: total paralisação na produção de longas-metragens. Na Bahia, a produção em vídeo dá movimento a mais uma safra de jovens realizadores (Marcondes Dourado e Lula Oliveira), invariavelmente com trabalhos de curta duração. Na bitola de 35mm, poucos curtas são realizados (Mr. Abrakadabra, de José Araripe, o mais destacado), além do longa em episódios, Três Histórias da Bahia, de Edyala Yglesias, José Araripe Jr. e Sérgio Machado, lançado somente em 2001. Nos últimos cinco anos, a produção em longa-metragem volta a crescer, com quatro filmes realizados, Eu Me Lembro (2004), de Edgard Navarro (grande vencedor do 38º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, recebendo seis troféus Candango), Samba Riachão (2001), de Jorge Alfredo (ganhou três Candangos, no Festival de Brasília), Esses Moços (2004), de José Araripe Jr. e Cascalho (2004), de Tuna Espinheira e além de mais quatro a serem rodados até o fim de 2006: os longas Pau Brasil, de Fernando Bélens, Jardim das Folhas Sagradas, de Pola Ribeiro, Estranhos, de Paulo Alcântara e Revoada, de Zé Umberto.

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