domingo, 8 de abril de 2007

o ciclo baiano de cinema

A agitação cinematográfica verificada na Bahia no final da década de 1950 e início da década de 1960 tem a ver com um clima favorável no contexto sociocultural local. O fomento na cultura do lugar, diretamente vinculado ao impulso dado pela política da Universidade da Bahia (hoje Universidade Federal da Bahia) no campo das artes; à criação do Museu de Arte Moderna da Bahia; aos debates nos Suplementos Literários em jornais e à criação do Clube de Cinema da Bahia liderado por Walter da Silveira, desponta como o grande carro-chefe de um clima efervescente, que coloca a Bahia num patamar privilegiado dentro do cenário cultural do país. Fora do campo universitário, o cinema, no entanto, teve que se articular em outros espaços, sobressaindo-se como um dos traços mais marcantes nas artes da Bahia no período. O Ciclo Baiano de Cinema, movimento ocorrido entre 1958 e 1962, está imerso nesta nova atmosfera. Sua estética está intimamente relacionada com o enquadramento das aspirações dos movimentos sociais de sua época.

A forte crença dos realizadores na arte cinematográfica, aliada a uma prática atuante no campo da política, deu a esses filmes um tom de manifesto. Estes realizadores, baseados nas idéias ainda quentes do neo-realismo do cinema italiano, ensaiaram um movimento no qual a representação do drama do povo baiano, sofrido e faminto, seria a principal expressão de seus filmes. Os temas tratados eram sempre relacionados às problemáticas que envolviam a vida e o cotidiano das classes brasileiras marginalizadas (a comunidade negra, a religião do candomblé, os pescadores, as prostitutas etc.), principal enfoque nas estéticas que surgem nas artes logo após a 2ª. Guerra Mundial. A preocupação com a impressão do social transforma-se também aqui na Bahia em uma característica forte na construção do discurso fílmico, procurando instituir um clima no qual o público baiano, principal horizonte dos filmes, pudesse reconhecer-se como parte daquela história que se passava no écran cinematográfico, dando ao cinema baiano uma nova “beleza”: uma forma de realizar filmes com conteúdos que afirmem a significação cultural brasileira e que discutam a realidade social de seu povo. Na tela, o que se vê são rostos e peles até então improváveis de aparecerem em filmes tradicionais. Em Bahia de Todos os Santos (Trigueirinho Neto, 1960), o conflito do negro consigo é revelado a partir da não-aceitação de Tônio (Jurandir Pimentel) a sua cor e aos seus laços de maternidade; em Barravento (Glauber Rocha, 1961), a submissão dos pescadores aos cânones de uma religião é perturbada pelo revolucionário Firmino (Antônio Luís Sampaio/Antônio Pitanga); A Grande Feira (Roberto Pires, 1961) traz a discussão da problemática da feira de Água de Meninos, "assunto então muito presente na vida local, um dos graves problemas urbanos que necessitava de solução urgente, pois envergonhava a cidade e poderia, inclusive, inviabilizar o seu projeto turístico" (CARVALHO, 2003). Em suma, propunha-se que o cinema ajudasse a formar uma nova cultura, apoiando-se na preexistente para enriquecê-la e transformá-la, tendo a arte como uma forma de qualificação das massas. Todos estes planos fazem parte de um conjunto de idéias que estavam sendo formuladas nos Congressos de Cinema Brasileiro ocorridos no Rio e São Paulo nos anos de 1952 e 1953.

Sintoma de uma insatisfação no cinema nacional, é nestes Congressos que se começa a elaboração de uma nova percepção sobre a aparência e conteúdo dos filmes brasileiros. Neles, é constatada a eterna e sempre recorrente dificuldade da produção nacional transitar por todas as etapas da circulação fílmica – Produção, Distribuição e Exibição, um triângulo, cujos vértices nem sempre estão interligados. Nos Congressos, propunha-se um novo parâmetro para a feitura de filmes, modelo que estaria mais condizente com a real situação econômica de um país subdesenvolvido como o Brasil, tencionando a produção de um cinema brasileiro dito autêntico. Esses filmes deveriam ser feitos nas ruas, dispensando os estúdios e revelando a paisagem social do lugar; o povo é quem deveria ser descrito; a produção deveria ser artesanal de orçamento baixo, sem todo o aparato tecnológico que caracterizava o cinema industrial; em diálogo com o imaginário simbólico e cultural do Brasil, os filmes deveriam ser obras de arte críticas.

A produção de filmes é, para estes realizadores, inseparável do desejo de participação cultural e social na vida da comunidade e do anseio de expressão artística pessoal. Neste momento de debate em torno do cinema na Bahia surge, também, a questão da autoria. Os filmes deveriam, além de expressar a realidade do mundo que estava a sua volta, revelar uma “escrita” própria do realizador, imprimindo uma poética particular de cada autor. Esboço de uma “estética da fome” ulterior, o Ciclo inova com seus longas-metragens.


Inserido num contexto da política desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, o cinema da Bahia passeia por uma crença na possibilidade de se criar aqui um clima propício para a efetivação de uma Escola Baiana de Cinema, uma verdadeira indústria para a feitura de filmes com caráter diferenciado, espelho de sua sociedade.


Referências bibliográficas

CARVALHO, Maria do Socorro Silva. A Nova Onda Baiana – Cinema na Bahia 1958/1962. Salvador: EDUFBA, 2003.

SETARO, André. Novo Cinema Baiano. Texto para o catálogo da mostra homônima, de 24 a 28 de maio de 1976. Salvador: Biblioteca Central do Estado. Barris. 54 p.

____________. Nascimento do Surto Contracultural. In: Revista da Bahia. Edição especial: Cinema, 1995. p. 20-43.


____________. Enciclopédia do Cinema Brasileiro. Org.: Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda. São Paulo: Editora Senac, 2000. p. 135/136 e 429.

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