quarta-feira, 5 de agosto de 2009
sobre o mito da democracia racial
ora, tratar igualitariamente culturas e formas diferentes seria o ideal, porém o verbo RECONHECER está a anos luz do verbo TRATAR. existe uma hierarquia de tratamento em que a cor é colocada como personagem principal, mas que quase ninguém reconhece como fato consumado... se reconhecer enquanto sujeito que pratica e que é vítima de discriminação parece difícil - e ninguém fala.
há miscigenação? há! é claro que há! ninguém nega que, geneticamente, somos muito pouco diferentes. o conceito de miscigenação seria a ponte de ligação para o reconhecimento e tratamento igualitário, mas não é isso o que acontece. em sociedades como a brasileira, aqueles que se desviam do padrão (seja ele cultural ou estético) ainda são marginalizados 'ou então são mortos queimados em um ponto de ônibus'. mas a democracia racial é ainda mais nociva porque camufla o que comanda as relações sociais desiguais. ela deixa tudo na paz e evita a problematização das relações, das oportunidades; não muda a geografia; não atiça o debate e as mudanças; olha de soslaio e faz que não vê; finge que está tudo bem e que somos uma unidade harmoniosa, civilizada e igualitária, na qual todos são tratados como quer o artigo 5° da constituição - todos somos iguais perante a lei (mas não mexam nos meus privilégios e na minha propriedade privada).
falamos em desigualdades como se estas fossem de caráter externo a nós, como se não houvesse nenhum agente impulsionador dela (existe racismo, mas que fique claro que eu nunca fui preconceituoso ou sofri discriminação).
quando falamos de nós mesmos, quando NOS RECONHECEMOS dentro desse processo, a discussão fica mais rica. A DISCUSSÃO FICA MAIS RICA QUANDO TOMAMOS POSICIONAMENTOS EM RELAÇÃO AS NOSSSAS PROPRIAS VIVÊNCIAS: COMO EU ME ENXERGO NESSA SOCIEDADE? QUEM SOU EU - NEGRO, NORDESTINO, ETC - DENTRO DESSE CALDEIRÃO QUE É O BRASIL? POR QUE É TÃO DIFÍCIL MEXER NESSE ASSUNTO QUE SÃO AS COTAS E AS AÇÕES AFIRMATIVAS? A QUEM ISSO INTERESSA E A QUEM ISSO É DESINTERESANTE, OU UMA AMEAÇA? EXISTE RAÇA MENOS INTELIGENTE? COTAS SÃO ESMOLAS OU REPARAÇÃO? são, além de reflexões, pontos de partida para a discussão e à ação.
domingo, 21 de junho de 2009
um filme é um filme
Ok, vamos ao dicionário ver o que significa a palavra SUPRIMIR. Sinônimos: cortar, riscar; omitir, não mencionar; anular, cassar, abolir, extinguir; impedir de aparecer, de ser publicado. Pegando esse gancho, a gente pode inferir o quê, que se um filme for literatura anularemos todo e qualquer traço que o caracteriza como filme, como outra linguagem, a qual não surgiu assim de uma hora pra outra, mas foi (e é) resultado de um processo histórico. Cinema é linguagem! Possui seus próprios meios de comunicar ao leitor/espectador.
A literatura realiza "imagens mentais", o cinema "materializa" em imagens e sons (ou silêncio) o que foi organizado no roteiro e na percepção do diretor, ou da produção. As discussões difíceis, acaloradas e sem fim sobre a validade e a adequação das adaptações de livros para o cinema levam a uma oposição literatura x cinema, que dão a falsa idéia de que a literatura possa ser substituidapelo cinema ou vice-versa.
Cinema e vídeo não são literatura - são linguagens diferentes do texto escrito. Vc nunca irá ver um filme que foi baseado em um livro exatamente igual a ele, ou como vc o imaginou. Isso é o que torna as adaptações frustrantes e os leitores dos livros tão críticos em relação ao filme. Um filme não é um livro, UM FILME É UM FILME. São linguagens diferentes, tempos diferentes de apreensão, formas de emissão, recepção e fruição particulares de cada um dos meios. Quer ver um filme fiel a um livro? Vai ter que ficar mais de uma semana vendo o filme! E vc num vai ver atores e trilha sonora desfilando pela tela, não, vai ficar vendo as páginas que foram filmadas. Não seria entediante?
Cinema é tempo, é síntese (sem desprezar a sua complexidade enquanto narrativa e fábula). Mas cinema envolve outros fatores extrafílmicos, o dinheiro, por exemplo, é um deles. O dinheiro move a indústria cinematográfica e para a indústria cinematográfica a máxima "tempo é dinheiro" se aplica. Poderia até afirmar que, de certa forma, a máxima vale tb para o cinema de vanguarda e qualquer outra alcunha que se dê ao cinema. Mas não é esse o objetivo do texto. Estamos falando aqui do chamado Cinema Narrativo, aquele cinema que conta uma história, que tem como características de base o "corte limpo" sem emenda, em que "as substituições de imagem obedecem a uma cadeia de motivações psicológicas" (XAVIER, 1977, p.25)*, uqe tem como principal fundador e fomentador Hollywood. Para esse cinema, a síntese envolve dinheiro e dinâmica - e conquista de público. Mas além disso, podemos combinar que ninguém iria conseguir ficar numa sala de cinema assistindo páginas de livro passando na tela. Fato!
De vez em quando ouço uns comentários sobre essa relação conturbada que impõem a essas duas linguagens. Outro dia ouvi de um colega que o filme O Cálice de Fogo (da saga de Harry Potter) não é fiel ao livro. Ele me exemplificou com a cena de Harry Potter recebendo APENAS uma carta do Ministério da Magia, que lhe informava que estava sendo expulso de Hogwarts por ter usado, pela 2ª vez, magia na frente dos trouxas. Gente, não há perda de sentido algum no percurso da história. No filme, Harry recebe UMA única carta; no livro são VÁRIAS as cartas que ele recebe. A quantidade de cartas não altera de forma alguma a essência que se quis dar à cena ou ao filme como um todo. Foi preciso fazer isso porque seria dispendioso gastar dinheiro com horas de filmagem, ilha de edição, computação gráfica, equipe, atores, etc., além do quê, essa economia de cena dá dinâmica à história. Uma cena demora muito mais tempo pra ser produzida do que o que o tempo diegético em tela mostra. Tempo, em cinema, além de dinâmica e linguagem, quer dizer dinheiro.
Por um outro viés, poderíamos fazer uma comparação com o roteiro, que parece ser o que está mais próximo da coisa escrita, da literatura. Erro! O roteiro utiliza de um formato e uma linguagem completamente diferente da literatura... não é um livro. O livro é outra coisa. No roteiro, às vezes o cara faz não sei quantas revisões, convida gente diferente pra ajudá-lo. É um trabalho coletivo, enquanto a literatura me parece ser um trabalho solitário (claro que podem haver suas excessões). Quando se vai pra um set de filmagem a coisa não muda de cara, vai ter palpite do diretor, do maquiador, do fotógrafo... aprende-se a trabalhar em equipe.
Me parece mais sensato acreditar que uma linguagem não pode submeter outra. Podemos conversar aqui e falar de interação, relação entre ambas, mas não de superioridade. O livro, a literatura, trabalha com palavras, e tem no material físico papel seu meio de transmissão e difusão (hoje há os novos meios de difusão da literatura, a web, os audiobooks, por exemplo); o filme é imagem, som e uma série de outros elementos organizados, e tem na impressão das imagens em um filme fotosenssível o seu meio de transmissão. Só esse fato já garante um leque enorme de diferenças entre as duas linguagens.
E por que pra muitos o filme tem que ser fiel ao livro que o originou? Uma adaptação não é uma adaptação? O próprio nome diz: ADAPTAÇÃO. Vc vai pegar um referencial e o adaptar a outro tipo de suporte, ora. É simples!
Cada leitor vai ver "um filme" na cabeça quando lê o livro, imagina a cara dos personagens, o lugar, a cena. Dai tem um dia que uma pessoa resolve adaptar o livro para o cinema. Ele é o diretor e vai ter que chamar um ator pra fazer o papel do mocinho e muita gente vai dizer que não é assim que imaginava o personagem. Rá! Foi uma escolha de quem estava à frente da direção, da produção, assim como é uma escolha imaginar o personagem ao ler um livro.
Palavra e imagem: duas linguagens que geram códigos distintos, que expressam visões de mundo de maneira diferente
* XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
domingo, 28 de dezembro de 2008
my blueberry nights
Wong Kar Wai, Hong Kong/China/França, 2007.
para aqueles que acreditam no cinema como uma arte de sensações, vale a pena sentir água na boca com my blueberry nights.
frutas vermelhas sendo banhadas por uma calda leitosa aparecem na tela, despertando o paladar dos distraidos. corte seco! uma mulher entra irritada num bar.
my blueberry nights, do diretor chinês Wong Kar Wai (de sucessos como 2046 e Amor a flor da pele) provocou uma experiência prazerosa e aconchegante, permeada pela sensação intimista, por vezes gélida e úmida, com o local onde as histórias se passavam.
Jeremy (Jude Law) é o dono de um bar-cafeteria e está acostumado a presenciar inícios e términos de histórias amorosas dos clientes que por ali passam. uma noite ele recebe a visita de Elizabeth (Norah Jones), uma jovem mulher de coração partido. após uma grande decepção amorosa, a jovem passa a frequentar a lanchonete de Jeremy, encontrando nele um confidente com quem passa a conversar madrugada adentro, noite após noite. Elizabeth, confusa e determinada a se livrar do passado, parte em uma viagem sem rumo pelo interior dos EUA. desta tomada de posição surgirão personagens que ajudarão ela a compreender a si mesma e os caminhos tortuosos pelo qual o amor percorre: um policial (David Strathairn) que não consegue abandonar a ex-mulher (Natalie Portman) e uma sexy jogadora de cartas (Rachel Weisz). enquanto se envolve na vida destas pessoas, Elizabeth vai curando suas próprias feridas, para tentar assim recomeçar sua vida.
my blueberry nights foi o filme de abertura do 60º Festival de Cannes em 2007 e é protagonizado pela cantora Norah Jones. do Festival, o filme de Kar Wai não levou nada, diferente do que aconteceu com seu Felizes Juntos (Happy Together, 1997) que foi premiado no festival, assim como Amor à Flor da Pele (In The Mood For Love), em 2000. na categoria da qual estava concorrendo em 2007, disputava com o romeno 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (4 luni, 3 saptamini si 2 zile), do diretor Cristian Mungiu. difícil disputa.
a primeira experiência de Norah Jones como atriz não deixa a desejar. na atuação, embora haja momentos em que sua mis-en-scène soa artificial, como no momento em que grita de raiva dentro do bar ao entregar as chaves para Jeremy pedindo-lhe que as entregasse ao ex e na hora em que sua personagem está fumando do lado de fora do bar com Jeremy – na primeira cena seu grito não soa revoltante, na segunda aquela tragada não aconteceu. ela tem uma passagem que surpreende no filme, dando à interpretação o tom necessário nesse trabalho poético do diretor e também co-roteirista (Wong Kar-Wai e Lawrence Block), além de estar belíssima. o elenco coadjuvante com presença forte ajuda bastante nessa saga.
a busca constante do diretor pela intimidade, pelos detalhes normalmente esquecidos das situações, cria um clima intimista em torno da história. a maioria das cenas são rodadas em locais fechados, como bares, restaurantes e cassinos, onde os olhos atentos de Elizabeth observam as angústias alheias, parecendo tirar dali algo pra si. talvez essas experiências tornem-se uma espécie de catarse para a personagem, na medida em que o resultado de sua fuga de Nova Iorque acaba por aproximá-la mais de si mesma, fazendo-a buscar nas experiências que presencia um espelho para sua renovação e perspectiva de novos horizontes para sua vida: um novo amor, por exemplo. em Memphis, Elizabeth vira garçonete e assiste à decadência de um policial alcoólatra frente à ex-mulher. seguindo viagem, ela vai para o Ely, no Estado de Nevada, onde encontra uma jogadora de pôquer profissional. os personagens são tipos incorrigíveis, literalmente condenados a amar, uma das marcas registradas do diretor.
a história centralizada em Nova Iorque interage com outras histórias, pelo interior dos EUA. o filme é um road movie tendo por fio condutor dos personagens centrais, apenas as confidencias através de cartões postais.
a descoberta da América pode ser lida como uma metáfora do autoconhecimento objetivado pela jovem Elizabeth. aliás, este filme é um conjunto de pistas poéticas: um pote de chaves à espera de fechaduras para serem abertas; uma jogadora profissional que se gaba de saber “ler” as pessoas, mas que não conhece sequer a si própria; um policial com o poder de prender a todos, mas que cai preso na própria armadilha do amor; tortas de blueberry que nunca são comidas porque todos preferem as de outros sabores, mas que, mesmo assim, stodos os dias são feitas e rejeitadas, num insistente círculo vicioso.
o trabalho da direção junto à fotografia proporciona quadros belíssimos para os olhos do espectador. o fotógrafo iraniano Darius Khondji optou por imagens granuladas e cores saturadas, onde predomina o vermelho, o amarelo e o verde, além dos letreiros de neon com suas cores extravagantes. há também a presença profusa de closes aproximando os rostos, deixando o fundo desfocado e valorizando a força de expressão dos personagens na tela.
tudo isso regado à trilha sonora planejada pelo compositor Ry Cooder, que inclui, além de Norah Jones - que nos oferece sua voz desde o primeiro quadro do filme, com a canção The Story -, melodias nostálgicas de Otis Redding, Try a little tenderness, e Cat Power com a canção The Greatest. aliás, esta última, faz uma ponta como a ex-namorada de Jeremy. na trilha musical há também uma citação ao filme Amor à Flor da Pele na cena em que a personagem de Norah Jones deixa Nova Iorque depois de sua desilusão amorosa: a música Yumeji's Theme, de Shigeru Umebayashi, toca e faz referência ao Kar Wai do passado.
o tempo parece ser fator fundamental no cinema de Wong Kar Wai. seus planos são constantemente alterados com o uso do slow ou através da aceleração da velocidade das imagens. às vezes chega até incomodar este uso excessivo da técnica, mas acaba por imprimir um estilo todo particular da direção. estas modificações podem remeter à passagem de tempo dentro na narrativa. a trama se estrutura episodicamente e à medida que leva a personagem a participar e assistir as várias histórias de amor, de rompimentos, de reencontros, de descobertas e de sobrevivência ou de morte, com vários planos de sobre-exposição, de cores, de sentidos, de pequenas quebras na narrativa em uma interessante dedicação para contar histórias detalhadas e delicadas, se transforma em uma interessante narrativa cinematográfica, que mesmo sendo um tanto quanto linear, reveste-se de algumas quebras na sua estrutura (uso de inserts, flash backs, etc).
o assunto deste filme é simplesmente o amor e suas várias faces. o romance fala de encontros, paixões, sentimentos contraditórios e toda sorte de motivos que movem a vida de cada um dos personagens, numa história profundamente visual sobre amores perdidos e encontrados. nestas noites de blueberry há espaço para descobertas, buscas e amadurecimento - e um dos mais belos beijos do cinema.
domingo, 8 de abril de 2007
o ciclo baiano de cinema
A agitação cinematográfica verificada na Bahia no final da década de 1950 e início da década de 1960 tem a ver com um clima favorável no contexto sociocultural local. O fomento na cultura do lugar, diretamente vinculado ao impulso dado pela política da Universidade da Bahia (hoje Universidade Federal da Bahia) no campo das artes; à criação do Museu de Arte Moderna da Bahia; aos debates nos Suplementos Literários em jornais e à criação do Clube de Cinema da Bahia liderado por Walter da Silveira, desponta como o grande carro-chefe de um clima efervescente, que coloca a Bahia num patamar privilegiado dentro do cenário cultural do país. Fora do campo universitário, o cinema, no entanto, teve que se articular em outros espaços, sobressaindo-se como um dos traços mais marcantes nas artes da Bahia no período. O Ciclo Baiano de Cinema, movimento ocorrido entre 1958 e 1962, está imerso nesta nova atmosfera. Sua estética está intimamente relacionada com o enquadramento das aspirações dos movimentos sociais de sua época.
A forte crença dos realizadores na arte cinematográfica, aliada a uma prática atuante no campo da política, deu a esses filmes um tom de manifesto. Estes realizadores, baseados nas idéias ainda quentes do neo-realismo do cinema italiano, ensaiaram um movimento no qual a representação do drama do povo baiano, sofrido e faminto, seria a principal expressão de seus filmes. Os temas tratados eram sempre relacionados às problemáticas que envolviam a vida e o cotidiano das classes brasileiras marginalizadas (a comunidade negra, a religião do candomblé, os pescadores, as prostitutas etc.), principal enfoque nas estéticas que surgem nas artes logo após a 2ª. Guerra Mundial. A preocupação com a impressão do social transforma-se também aqui na Bahia em uma característica forte na construção do discurso fílmico, procurando instituir um clima no qual o público baiano, principal horizonte dos filmes, pudesse reconhecer-se como parte daquela história que se passava no écran cinematográfico, dando ao cinema baiano uma nova “beleza”: uma forma de realizar filmes com conteúdos que afirmem a significação cultural brasileira e que discutam a realidade social de seu povo. Na tela, o que se vê são rostos e peles até então improváveis de aparecerem em filmes tradicionais. Em Bahia de Todos os Santos (Trigueirinho Neto, 1960), o conflito do negro consigo é revelado a partir da não-aceitação de Tônio (Jurandir Pimentel) a sua cor e aos seus laços de maternidade; em Barravento (Glauber Rocha, 1961), a submissão dos pescadores aos cânones de uma religião é perturbada pelo revolucionário Firmino (Antônio Luís Sampaio/Antônio Pitanga); A Grande Feira (Roberto Pires, 1961) traz a discussão da problemática da feira de Água de Meninos, "assunto então muito presente na vida local, um dos graves problemas urbanos que necessitava de solução urgente, pois envergonhava a cidade e poderia, inclusive, inviabilizar o seu projeto turístico" (CARVALHO, 2003). Em suma, propunha-se que o cinema ajudasse a formar uma nova cultura, apoiando-se na preexistente para enriquecê-la e transformá-la, tendo a arte como uma forma de qualificação das massas. Todos estes planos fazem parte de um conjunto de idéias que estavam sendo formuladas nos Congressos de Cinema Brasileiro ocorridos no Rio e São Paulo nos anos de 1952 e 1953.
Sintoma de uma insatisfação no cinema nacional, é nestes Congressos que se começa a elaboração de uma nova percepção sobre a aparência e conteúdo dos filmes brasileiros. Neles, é constatada a eterna e sempre recorrente dificuldade da produção nacional transitar por todas as etapas da circulação fílmica – Produção, Distribuição e Exibição, um triângulo, cujos vértices nem sempre estão interligados. Nos Congressos, propunha-se um novo parâmetro para a feitura de filmes, modelo que estaria mais condizente com a real situação econômica de um país subdesenvolvido como o Brasil, tencionando a produção de um cinema brasileiro dito autêntico. Esses filmes deveriam ser feitos nas ruas, dispensando os estúdios e revelando a paisagem social do lugar; o povo é quem deveria ser descrito; a produção deveria ser artesanal de orçamento baixo, sem todo o aparato tecnológico que caracterizava o cinema industrial; em diálogo com o imaginário simbólico e cultural do Brasil, os filmes deveriam ser obras de arte críticas.
A produção de filmes é, para estes realizadores, inseparável do desejo de participação cultural e social na vida da comunidade e do anseio de expressão artística pessoal. Neste momento de debate em torno do cinema na Bahia surge, também, a questão da autoria. Os filmes deveriam, além de expressar a realidade do mundo que estava a sua volta, revelar uma “escrita” própria do realizador, imprimindo uma poética particular de cada autor. Esboço de uma “estética da fome” ulterior, o Ciclo inova com seus longas-metragens.
Inserido num contexto da política desenvolvimentista do governo Juscelino Kubitschek, o cinema da Bahia passeia por uma crença na possibilidade de se criar aqui um clima propício para a efetivação de uma Escola Baiana de Cinema, uma verdadeira indústria para a feitura de filmes com caráter diferenciado, espelho de sua sociedade.
Referências bibliográficas
CARVALHO, Maria do Socorro Silva. A Nova Onda Baiana – Cinema na Bahia 1958/1962. Salvador: EDUFBA, 2003.
SETARO, André. Novo Cinema Baiano. Texto para o catálogo da mostra homônima, de
____________. Nascimento do Surto Contracultural. In: Revista da Bahia. Edição especial: Cinema, 1995. p. 20-43.
____________. Enciclopédia do Cinema Brasileiro. Org.: Fernão Ramos e Luiz Felipe Miranda. São Paulo: Editora Senac, 2000. p. 135/136 e 429.