segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

limite, de mario peixoto

na cinematografia brasileira há um filme emblemático que permaneceu relegado por muitos anos ao anonimato. Limite, de Mário Peixoto, exibido pela primeira vez em maio de 1931, no cinema Capitólio, Rio de Janeiro, é considerado um dos filmes de maior importância para a cinematografia mundial e é o cult mais citado da história da nossa cinematografia. Herança da época ‘muda’ do cinema nacional, Limite é resultado de um esforço com características universais e líricas, com capricho nas imagens e rigor técnico – apesar das limitações de sua época.

até o final da década de 1920, muita coisa havia acontecido ao cinema. Saiu-se do simples registro de cenas cotidianas da cidade, através de um único plano e câmera parada, gênero chamado de Atualidades, e caminhou-se para a possibilidade de narrar histórias através de diferentes planos e pontos de vista da câmera, o que incrementou a necessidade de desenvolver-se, gradativamente, a prática da montagem. Outro fato é que a linguagem cinematográfica, baseada nas imagens ‘mudas’, apresentava uma aparente consolidação e tinha na pantomima - modalidade cênica que faz uso de gestos para narrar com o corpo as histórias - um dos seus principais elementos, no qual o herói vagabundo de Charlie Chaplin, Carlitos, é seu maior exemplo.

limite aparece no cinema nacional quando o mundo já se deleitava com a possibilidade de sincronização entre imagem e som, a partir de 1927. Mas ele ainda ancora suas bases num cinema sem diálogos, confiando puramente na expressão que poderia ser conseguida através da interpretação dos atores, nas imagens e no diálogo entre a música e a montagem.

ele elege o formalismo em seu estilo, concentrando-se preferencialmente na técnica artística para agir sobre a imaginação do espectador no momento de sua assistência. É, também, um filme considerado mitológico e que habita o imaginário da própria literatura sobre o cinema brasileiro. A partir dos relatos até hoje escritos – bem poucos, diga-se de passagem - percebe-se uma aura em seu redor. Sobre a relevância do filme para o cinema nacional, João Luiz Vieira afirma: “Um dos verdadeiros marcos do início da década, entretanto, é LIMITE (1931), que pode ser considerado hoje, após sua recuperação e revisão, como a melhor contribuição brasileira para a avant-garde internacional, junto, talvez, com SÃO PAULO, SINFONIA DA METRÓPOLE, direção de Rodolfo Rex Lustig e Adalberto Kemeny, 1929”.

entretanto, parece que se chega ao mutismo, evitando-se prolongamentos a seu respeito e preferindo-se apenas conceder-lhe o título de grande obra do cinema realizado no Brasil, sem ao menos tecerem-se maiores comentários.

é possível afirmar que, em Limite, a fábula - entendida aqui, de acordo com André Setaro, como a história, a trama, a intriga, os personagens, enfim, as situações - é suplantada pelo manejo da linguagem cinematográfica propriamente dita. Ou seja, muitas vezes o significado pode vir através de um movimento de câmera, pelo encadeamento das imagens (montagem), ou através da angulação de determinado plano, em lugar da história que está sendo contada.

“existem, num filme, dois planos: um plano relativo à narrativa e um plano relativo à fábula. O primeiro refere-se ao como - ao conjunto das modalidades de língua e estilo que caracterizam o texto narrativo. À articulação feita pelo cineasta dos diversos elementos da linguagem fílmica. Como ele articula estes elementos é que determina o estilo de cada um. O segundo, o plano da fábula, refere-se à coisa da narração - à sua história”.

limite lida com uma ‘gramática’ envolta por inspirações e sentimentos do mundo pessoal de seu diretor, porém, ao mesmo tempo em que expressa essa individualidade, não se pode esquecer o contexto do qual ele fez parte. É parte de uma rede de informações que a instituição cinematográfica mundial estava vivenciando naquela época, com eclosão dos movimentos artísticos modernos; publicação de manifestos estéticos na arte em geral, e no cinema especificamente; surgimento de filmes que reclamavam uma relação diferenciada com a linguagem cinematográfica, dissociando-se dos cânones do cinema narrativo, que parecia querer impor suas regras ao cinema mundial. Para Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété, em Ensaio Sobre a Análise Fílmica, “analisar um filme é também situá-lo num contexto, numa história. E, se considerarmos o cinema como arte, é situar o filme em uma história das formas fílmicas. Os filmes inscrevem-se em correntes, em tendências e até em ‘escolas’ estéticas, ou nelas se inspiram a posteriori”.

limite, depois da saga por sua restauração, que teve inicio em 1958 e foi concluída em 1971, por iniciativa de Plínio Sussekind Rocha e Saulo Pereira de Mello, ainda existe e permanece como um dos filmes mais significantes do país, por seu vigor na forma e valor simbólico. O único filme levado a cabo por seu autor tornou-se quase uma lenda do cinema realizado no Brasil. Hoje, Limite é aclamado como um filme emblemático, tendo sido eleito por duas vezes como o filme mais representativo da nossa cinematografia - em 1988, em um inquérito promovido pela Cinemateca Brasileira e, em 1995, num novo inquérito promovido pelo jornal Folha de São Paulo. Essas eleições confirmaram, num intervalo de quase uma década, que Limite é um dos filmes brasileiros mais significativos, talvez sem parâmetros e iguais.

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